Mega-Fluxos expõem falta de locais adequados na Cidade

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::: Bruno Viterbo

Um tema complexo que envolve ações conjuntas entre autoridades e munícipes. Um tema que exige mais sensibilidade dos órgãos públicos. Um evento que necessita ser melhor discutido. O Mega-Fluxo da Hora Legal, realizado desde o fim de março, chegou à sua terceira edição, na Freguesia do Ó, com várias reclamações.

O mais recente, realizado no último domingo (24/5), fez com que moradores do entorno do Piscinão da Pretinha ficassem revoltados com o barulho causado pelo som dos carros. O relato mais comum é, além do barulho, o conteúdo das letras. Não raro, idosos se sentiram incomodados com o teor sexual das músicas.

Esse problema ilustra, de forma clara, a falta de espaços públicos, em São Paulo. O local escolhido – um piscinão – tem, evidentemente, outras finalidades. Quem frequenta, a maioria jovens que não têm acesso a locais públicos de qualidade, fica refém das críticas: o movimento funk acaba por ser (mais ainda) criminalizado, quando a raiz do problema envolve questões mais profundas do que a simples realização de um evento – ou o deslocamento das ruas para um local predeterminado que não é a melhor opção, como neste caso.

O último Mega-Fluxo expôs as falhas do projeto. Realizado em uma área com grande concentração habitacional – dois condomínios que totalizam 31 torres de apartamentos ficam ao lado do piscinão, as reclamações foram inevitáveis. De acordo com o objetivo do Programa, “o Mega-Fluxo da Hora Legal tem como meta a harmonização dos direitos ao descanso dos moradores, no entorno dos pancadões, e do direito ao lazer da juventude que frequenta os fluxos”. A harmonização passou longe: o som alto incomodou moradores de todos os andares.

Outro ponto que necessita de discussão é: como o movimento pode ser instrumento social, que desenvolva e proporcione lazer, cultura, cidadania e crescimento local, quando a criminalização, em alguns casos, está exposta nas letras das músicas?

Espaços públicos de qualidade são vistos em regiões mais privilegiadas. As periferias, no entanto, sofrem com a falta desses locais de convivência, levando os participantes para piscinões que sequer possuem estrutura adequada. Não à toa, alguns moradores da região chamam o piscinão de “privada”. É dessa forma que a Prefeitura quer estruturar o movimento?

O objetivo do Mega-Fluxo é claro e tem ótimas intenções. Tirar os “pancadões” das ruas, para que sejam organizados em locais públicos, com data, hora e endereço preestabelecidos com a Prefeitura. Esta, por sua vez, é responsável pela estrutura adequada, para que o evento transcorra em segurança, com tendas e banheiros químicos, por exemplo. É uma forma de tirar das ruas e organizar algo que necessita de estrutura própria, evitando crimes de todos os tipos, como tráfico de drogas e uso de entorpecentes.

Debates com as comunidades foram realizados em março, em conjunto com a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e movimentos funk. Órgãos de segurança também atuam nos eventos para garantir a segurança necessária: Polícia Militar, Guarda Civil Metropolitana e Companhia de Engenharia de Tráfego. Além da promoção dos eventos, o objetivo do projeto prevê medidas socioeducativas com os moradores, por meio de ações, como oficinas musicais, qualificação profissional na organização de eventos, ações de educação, saúde e direitos humanos.

Não há o que discutir: a medida visa reduzir a criminalidade e proporcionar convivência entre pessoas que, pela falta de sensibilidade do Poder Público, por décadas, não cuidou como devia dos bairros periféricos da Cidade.

Não faria sentido, por exemplo, organizar os Mega-Fluxos no Parque da Juventude ou no Anhembi, as grandes áreas abertas da Zona Norte. Além da falta de urbanização e infraestrutura, o deslocamento impede que as comunidades locais fortaleçam suas próprias políticas de inclusão, por meio do lazer e da ocupação de espaços públicos.

O reflexo de toda essa conjuntura social se dá na falta de locais decentes, levando uma população já carente desses espaços para… piscinões.