O improviso como solução para a crise da água

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Possível uso de água de represa poluída, rodízio pesado e “calculadora dos sonhos” são as últimas novidades da crise hídrica em São Paulo

::: Bruno Viterbo

Nesta semana, a população de São Paulo foi alertada com mais “novidades” sobre a crise hídrica que atinge não somente a Cidade, mas vários lugares do País. Novidades entre aspas, pois muitos já sofrem com os efeitos da redução de pressão – nome pomposo para racionamento – há algum tempo, antes mesmo de a crise eclodir nos últimos seis meses.

Na última terça-feira (27/08), a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e o Governo Estadual admitiram a possibilidade de adotar um rodízio 5×2: cinco dias sem água, dois com. Muito pior que o placar de 7×1 sofrido pelo Brasil contra a Alemanha na Copa do Mundo, a Região Metropolitana pode sofrer as consequências da falta de planejamento e do descaso de boa parte da população. Esse racionamento drástico, considerando os atuais níveis de queda do Sistema Cantareira e das chuvas, pode chegar até a primeira quinzena de abril, de acordo com reportagem publicada na Folha de S. Paulo. Os dados apontam que 5 de abril seria o fim da segunda cota do volume morto. Com a terceira cota, o nível subiria para 4,2% e seu fim seria em 31 de maio. A Sabesp divulgou nota condenando as projeções, afirmando que o jornal presta um “desserviço à população”, pois a empresa não definiu nenhuma data ou modelo de racionamento.

A Sabesp chegou a propor um rodízio há um ano, proposta descartada pelo Governador Geraldo Alckmin. De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, que revelou o plano “Rodízio do Sistema Cantareira”, o rodízio seria no esquema de 48 horas com água e 24 horas sem apenas para as regiões atendidas pelo Cantareira. A proposta poderia gerar 12,3% da capacidade do manancial.

A outra “novidade” foi o lançamento de um site que informa em quais locais e horários ocorrerá a redução de pressão. Absolutamente perdida e sem noção do poder que a internet tem ao disseminar algo irônico (se não fosse trágico), a Sabesp colocou o site em uma seção chamada “Calculadora dos Sonhos”. Ironia que foi um prato cheio para os internautas zombarem da empresa e piorando, ainda mais, sua reputação. Horas depois, a Sabesp retirou o site da nada sonhadora calculadora.

Geralmente, os bairros da Zona Norte terão o abastecimento regulado iniciando-se às 13h, terminando entre 4h e 7h da manhã do dia seguinte, dependendo do bairro. Tremembé é uma exceção, com a redução a partir das 19h até as 4h da manhã. A lista completa pode ser vista neste link: site.sabesp.com. br/site/reducao/reducaopres sao.html.

Reservatórios nada apropriados

Buscando várias formas de estancar a crise, seja por meio de obras ou “renovações” de volumes mortos, o governo de Geraldo Alckmin também aposta em reservatórios nada apropriados. O Governador defende a transferência da água da Represa Billings, altamente poluída, para os sistemas Rio Grande e Guarapiranga, que também estão em queda livre. Na última quarta-feira (28/1), o Sistema Cantareira tinha 5,1% de sua capacidade; Guarapiranga com 47,4% e Rio Grande com 74,6%.

A transferência da água da Billings para represas já existe e seria intensificada. O agravante é que a água dali é fruto de esgoto e contém substâncias tóxicas, como metais pesados e poluentes orgânicos permanentes, consideradas as mais perigosas. A parte mais limpa da Billings (por meio dos braços Taquacetuba e Rio Grande), que também está no limite, já abastece parte de São Paulo, do ABC Paulista e da Baixada Santista. O tratamento dessa água não é feito de um dia para o outro, e deve ser muito mais cuidadoso.

Já na quarta-feira (28/01), em reunião organizada pelo Prefeito Fernando Haddad, 29 prefeitos da Região Metropolitana conversaram com o Secretário de Recursos Hídricos do Estado, Belmiro Braga, para discutir possíveis soluções para a crise. Vereadores se anteciparam ao Prefeito e propuseram um projeto de lei que aplica multas em quem for flagrado lavando carro ou calçada com mangueira e água fornecida pela Sabesp. A multa inicial é de R$ 1 mil – em caso de reincidência, o valor pode dobrar –, enquanto Haddad propõe advertência antes da punição. A fiscalização ficará sob a responsabilidade das subprefeituras.

Para efeito de comparação, a cidade norte-americana de Nova Iorque ficou temerosa com uma possível nevasca devastadora que a atingiria nessa semana. O Prefeito Bill de Blasio colocou a Cidade em alerta, interditando vários serviços (escolas, ruas e avenidas, balsas). O zelo excessivo advém de 2014, quando uma nevasca intensa atingiu Nova Iorque sem que os serviços fossem interditados. O clima foi menos intenso do que se previa, e Blasio foi criticado por excesso de zelo. A resposta: “Você precisa fornecer segurança às pessoas”. Enquanto isso, os alertas sobre a situação calamitosa no Sistema Cantareira são dados desde 2004. Por aqui, o excesso é de inoperância.

*foto: Luiz Augusto Daidone / Fotos Públicas